Educação antirracista: Colégio Estadual Caldas Jr. recebe Rubens Rufino para falar sobre o legado de Lélia Gonzalez
Filho de Lélia Gonzalez leva as memórias e ensinamentos da mãe para sala de aula
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“A categoria raça é uma construção ideológica que tem servido para justificar a dominação”. “A luta contra o racismo é uma luta de todos nós, é uma questão da sociedade”. Essas e outras citações de Léila Gonzalez estavam estampadas nos cartazes do auditório do Colégio Estadual Francisco Antônio Vieira Caldas Jr., em Porto Alegre, dando o tom da palestra a partir da perspectiva antirracista.
A escola, situada na Zona Leste de Porto Alegre, no Bairro Partenon, foi selecionada para ser uma das escolas-piloto da Educação Antirracista. O projeto da Secretaria da Educação (Seduc) busca transformar o modelo pedagógico de gestão escolar, valorizando questões étnico-raciais e práticas de combate ao racismo.
Nesse sentido, na manhã desta terça-feira (9/4), estudantes de três turmas do primeiro e do terceiro ano do Ensino Médio assistiram à fala de Rubens Rufino, filho da escritora, ativista e referência na luta do movimento negro.
O diretor da escola, Vinícius Dill Soares, explicou que os estudantes, a partir dos componentes de linguagens, foram convidados a estudar a trajetória de Lélia.
Os professores de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Língua Portuguesa e História se juntaram para pensar em conjunto um projeto pedagógico que abordasse o legado da professora Lélia. “Agora essa sequência de atividades chega em um conversa com a pessoa que teve a honra de conviver com ela. Estamos muito orgulhosos desse momento”, destaca o diretor.
Palestra une memória, educação e a luta contra o racismo
Filho adotivo de Léila, Rubens nasceu no início dos anos 1960. No encontro com os alunos da Rede Estadual, ele relatou que tem o objetivo de difundir a memória da mãe, levando adiante um trabalho de divulgação sobre o pensamento de Léila. “O que eu mais quero é alcançar as crianças e os jovens. São os estudantes aqueles que podem fazer a transformação deste país, buscando uma sociedade mais justa, igualitária, sem nenhum tipo de preconceito, principalmente o racial”, enfatiza.
Formado em economia, com doutorado na Universidade de São Paulo (USP), Rubens também revelou as particularidades que somente um filho poderia falar sobre a história de Léila, contando que foi o datilógrafo oficial dos textos da mãe. “O livro Lugar de Negro foi eu quem datilografou, antes mesmo de ir para a gráfica”, relembra.
Além disso, Rubens compartilhou suas impressões sobre a obra de Léila. “Ela estava à frente do seu tempo. Escreveu Racismo e sexismo na Cultura Brasileira no início dos anos 1980, mas parece que foi escrito ontem. A percepção que ela tinha e a grande facilidade de comunicação são marcos na obra dela”, reforça.
Ao destacar que o Rio Grande do Sul foi o estado onde originalmente surgiu o movimento para estabelecer o Dia da Consciência Negra, na data de 20 de novembro, Rubens fez questão de assinalar a importância da mobilização. “Nunca percam seus sonhos de vista. Persistência e não desistir - é isso que minha mãe pregava. A teoria era a prática dela. É não esmorecer e ser sempre resistência. É como a energia de uma onda, que faz com que a outra aumente”, disse.
Alunos transformam pesquisa em homenagem
A estudante Vitória de Souza, de 15 anos, entregou a Rubens uma pintura em homenagem a Lélia Gonzalez. A obra, criada pela própria aluna durante as atividades propostas pela escola, capturou o sorriso e a força da intelectual negra. "Eu olhava cada foto, até nas que ela estava séria. Ela sorria pelos olhos. Me veio a imagem do Brasil, dessa mulher incrível, que representa nossa história. Fiz a bandeira ao fundo e tentei capturar seu batom marcante", contou Vitória, visivelmente emocionada.
A aluna mencionou ainda como o projeto antirracista da escola transformou sua percepção sobre si mesma. "Há alguns anos, me descobri parda. Minha mãe é preta, mas nunca tivemos essas conversas em casa. Agora, saber que o berço da humanidade veio da África me enche de orgulho da minha linhagem, da resistência dos meus antepassados"
Larissa Rodrigues, 15 anos, admitiu o desafio inicial da pesquisa sobre Léila. "No começo, não sabia por onde começar. Mas quando li as obras dela, tudo mudou. Fiz várias pesquisas, e sério, é incrível o que ela escreveu. Fiquei nervosa ao falar com o Rubens, mas é uma experiência que nunca vou esquecer".
Yasmin Vitória de Chaves, também de 15 anos, complementou: "Aprendemos muito mais com a fala dele. Quando pesquisei a respeito de Lélia, meu texto chegou a 12 páginas. Mas ouvir o filho dela foi emocionante. A gente via como ela era no dia a dia, sua luta vive na memória dele"
Sobre Lélia Gonzalez
Lélia Gonzalez foi uma intelectual, filósofa, antropóloga e militante brasileira, reconhecida por sua luta em prol dos direitos das mulheres negras e pela denúncia do racismo estrutural no Brasil. Fundadora do Movimento Negro Unificado (MNU), teve papel fundamental na articulação entre questões de raça, gênero e classe. Sua obra continua sendo referência nos estudos decoloniais e nas políticas de equidade racial e educacional.