Crença na escola pública mobiliza professora a ensinar
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No bairro Auxiliadora, em Porto Alegre, há dois anos os alunos de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental da Escola Estadual Daltro Filho têm ampliado a consciência corporal, a autoestima, o conhecimento de mundo e das artes por meio do aprendizado da dança. Em 19 de agosto, quando a cortina do palco do Teatro do Ciee, na Capital, se abrir e os acordes começarem a tocar, o palco vai abrigar mais do que os passos de danças típicas. Cada acorde, cada passo, cada cochicho na coxia trará consigo o cotidiano dos alunos com a professora de Artes Fernanda, idealizadora do projeto ?Se ela dança, eu danço? da escola Daltro Filho.
Fernanda Oliveira Bignetti é uma entusiasta do ensino e da educação públicos. ?Acredito em escola e faculdade públicas com ensino de qualidade; é a minha escola; agora, é minha hora de retribuir tudo que recebi?, diz ela sorrindo, explicando o porquê do entusiasmo pelo projeto.
Fernanda estudou em escola pública a vida inteira. Em 2003, ingressou na segunda turma do curso de Dança da UERGS, no Campus Montenegro. Formada em 2007, optou por fazer pós-graduação em Pedagogia da Arte, na UFRGS. Seu trabalho cotidiano tem como concepção a escola pública. Foi na Daltro Filho que a professora ?deu os primeiros passos? em sala de aula. Literalmente. Foi ali, em 2008, que nasceu o projeto de agregar as danças típicas ao calendário anual da escola, que inclui a Feira das Nações ? evento que mobiliza a comunidade escolar por meses e culmina no que a diretora Ângela Gazzana chama de ?um dia em que a escola vira uma grande feira?, com portas abertas para pais, alunos, professores, amigos. A Feira das Nações expõe os estudos dos alunos sobre diferentes países há cinco anos. Há dois, a professora Fernanda acrescentou as danças típicas ao evento escolar. Junto à ideia veio a mobilização e o entusiasmo dos alunos.
As apresentações são um sucesso. Tanto, que em agosto próximo todos os estudantes que participam do projeto estarão no palco do Ciee. Diferentemente de anos anteriores, em 2011 a apresentação contará com representação dos estudantes menores, do 1º ao 4º anos, fazendo com que os cerca de 500 alunos da escola estejam representados. Para quem pensa que a dança é uma brincadeira, Fernanda responde com precisão: com as danças típicas, chegamos ao folclore, que nos aproxima da nossa própria história. ?Retratando o folclore o Brasil também se engrandece?, resume a entusiasta professora, lembrando que aos 13 anos ela mesma começou a dançar o folclore português, o que fez até os 22 anos, quando começou a faculdade de dança. ?Sou apaixonada pelo que faço, sou eu, de alma e coração. É um prazer vir pra cá, trabalhar, trabalhar e trabalhar?, enfatiza.
Mas Fernanda não se restringe ao trabalho com a dança. A professora de Artes também estimula os alunos a refletir e expressar o que sentem e pensam por meio de outras formas artísticas, incluindo a escrita. Com alunos das 5ª, 6ª e 7ª séries, ela trabalha conceitos da dança, da música, do teatro e das artes visuais. Com os da oitava, dança, música, artes visuais, publicidade e cinema. Neste trabalho, vivido na disciplina de História das Artes, Fernanda procura aproximar os ensinamentos da vida dos alunos. ?A educação é mais do que repassar conhecimento; ela é importante para desenvolvimento desses seres humanos?. Em poucas semanas, os alunos da 8ª série vão expor o que têm trabalhado em relação a um dos movimentos mais instigantes da música e arte brasileiras do século XX, que foi o Tropicalismo. Pelo saguão da escola desfilarão outras ideias das aulas: os parangolés construídos pelos alunos a partir de elementos significantes de suas vidas. ?Um deles, em 2010, cobriu um parangolé inteiro com embalagem de um chocolatinho?, diz Fernanda, rindo e lembrando o ?menino-sanduíche? coberto pelo papel do chocolate.
Mas Fernanda, que tanto ri, também se emociona diante de palavras. ?Imperfeito? é o nome do texto da aluna da 6ª série, escrito em reflexão sobre o Dia da Educação, celebrado nesta quinta-feira, 28 de abril. Diz Eduarda Bochi: ?Meu mundo é apenas um mundo, com críticas, mentiras, felicidade, dor, mistério, crueldade, etc. Meu mundo nunca em ipótese alguma seria perfeito! Se fossemos perfeitos não poderíamos errar, então não saberíamos concertar tentar outra vez, arriscar, etc. (...) Não quero um mundo perfeito (...) meu mundo se resume à uma palavra: IMPERFEITO. P.S.: os erros também fazem a redação imperfeita?. Fernanda ressalta que os termos em itálico foram grafados desta forma pela aluna, e não pela professora, ou pela diretora, para salientar o erro. A iniciativa foi da estudante. ?A educação é parte do desenvolvimento humano; queremos contribuir com nossos alunos, é nisso que acredito?, destaca a professora.